Opinião | O que o escândalo do vazamento de dados de 37 milhões de casados infiéis ensina sobre a internet (2024)

Imagine 37 milhões de pessoas casadas infiéis de diferentes países tendo seu nome, endereço, e-mail, número de cartão de crédito e fantasias sexuais divulgados na internet. Isso aconteceu em 2015, quando o site canadense Ashley Madison teve seus dados hackeados. Famoso pelo slogan Life is short. Have an affair (do inglês, A vida é curta. Tenha um caso), ele agora é tema da série documental da Netflix Ashley Madison: Sexo, mentiras e escândalo.

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Com três episódios, a série conta que em 13 de julho daquele ano os funcionários do site se depararam em seu computador de trabalho com uma mensagem assinada por um suposto grupo chamado Impact Team que dizia que, se o site não encerrasse as atividades, os dados de todos os seus clientes seriam divulgados. Dias depois, a ameaça foi vazada para a imprensa, com mais um ultimato: ou paravam o negócio milionário ou o sigilo iria para o espaço. Como o site continuou no ar, as identidades dos usuários infiéis foram divulgadas em massa na dark web. E geraram um frenesi tão grande que houve caso até de rádio na Austrália revelando ao vivo para as ouvintes se seu marido estava ou não na lista.

A divulgação não só levou a vários divórcios como a casos de execração pública, chantagem - bandidos passaram a pedir dinheiro a nomes da lista em troca de não contar às esposas - e até de suicídios. A série da Netflix conta a história, por exemplo, de um professor de um seminário em Nova Orleans, nos Estados Unidos, que se trancou na garagem, ligou o carro e morreu por monóxido de carbono horas depois de ser demitido.

Até hoje não se sabe quem hackeou o Ashley Madison. A investigação da polícia de Toronto - onde se localizava a sede do site - não deu em nada, ninguém conseguiu a recompensa de US$ 500 mil oferecida pela empresa e os dois suecos especialistas em cybersegurança contratados para evitar que os dados fossem vazados voltaram para Estocolmo sem nada descobrir. Alguns clientes lesados foram à Justiça e conseguiram US$ 11 milhões em indenização.

Mais do que tudo, a série levanta algumas reflexões sobre a internet. A primeira é que falar mal pode, no final, ser uma bela publicidade. Quando surgiu, o Ashley Madison causou indignação e revolta de boa parte da sociedade e teve seus anúncios rejeitados pela imprensa tradicional. Mas, como era polêmico e mexia com traição, também foi tema por exemplo de vários programas de auditório. E, quanto mais debate, mais usuários descobriam seus serviços, acreditavam na promessa de anonimato e gastavam seu dinheiro em créditos no site. Falem mal, mas falem de mim.

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A série também mostra como as pessoas são ingênuas quando se trata de segurança na internet. O site que se dizia “100% seguro e discreto” inventou um monte de selos que supostamente atestariam o cuidado com que guardavam os dados dos clientes. Tudo mentira feita com Photoshop. Assim como eram fakes vários perfis de mulheres, usados para fisgar homens dispostos a gastar seus dólares em créditos para se comunicar com elas - ou melhor com os robôs que se passavam por elas. Muita gente também acreditou que pagando US$ 19 seu perfil seria deletado do site - mas o Ashley Madison recebia o dinheiro e nunca fez o serviço.

Um terceiro ponto suscitado pela série é que nem sempre se aprende com os erros do passado. Depois do escândalo - apontado por um entrevistado na série como o ataque hacker de maior impacto da história -, a chefia do site mudou, mas ele continuou ativo. Hoje diz ter mais de 65 milhões de usuários e continua com a mesma proposta de oferecer “casos extraconjugais com total sigilo”. Numa das páginas, dá dicas aos clientes de como se proteger na internet. Dois dos títulos são: Proteja-se contra fraudes e Compromisso contínuo com a segurança.

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Opinião por Luciana Garbin

Editora no ‘Estadão’, professora na FAAP e mãe de gêmeos.

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